Blues Zero - Ponto de exclamação



Ninguém tira fotos para guardar o negativo.
Um gênio inventou uma máquina de absorver fotos perfeitas pelos negativos. Sob a luz de fluorescência fria, trabalhava os negativos dela. Os escritórios escoados da costumeira gente, a noite seguia, além dos vidros frios, que refletem a minha cara, paralisado. Eu olhava casualmente, mascaradamente, teatralmente para nada - mesmo se visse pessoa, carro ou prédio era "para nada".
Só cores negativas, figurativas, na tela. Até que a exclamação surgiu vermelha num botão da máquina – cor, percebe? – talvez, só o brilho do olhar estático na foto, seja mais quente. Exclamação! Está tudo na metade, em negativo, tudo parado até o último átomo. Exclamação! O botão vermelho intermitente. Isso não serve para nada!
O negativo ficou pela metade, mas não é menos negativo por conta disso e, também, não serve para nada. A cor fria, interminavelmente intermitente, exclamava o "não ser", a minha resposta pessoal para por fim àquela questão antiga.

A máquina continuava quente, dizendo-me exclamação. Mas, mais nada, apenas o negativo do que era e, se imaginarmos o que deveria ser, não é.
Não processava nada, entalada na metade, parada, fria, com um piscar quente exclamado: deveria ser diferente! deveria ser... quente, movimentado, destoado, contínuo, pleno, completo, mas.... já não há quem possa processar o negativo para preservar a cor verdadeira. O negativo, ele mesmo, não é o que eu queria que fosse.
A cor quente exclama ser, interminavelmente intermitente, o "não ser", que, irremediavelmente, somos.


[Conrad Pichler, 25 de setembro de 2004
Imagem(divulgação): E. Hopper, "Hotel Room", déc. 1940]

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