
Voltei ontem de minha viagem-estudo às cidades de Ouro Preto, Mariana e Congonhas do Campo. Uma experiência indispensável, reveladora. De algum modo, algo mudou em mim, não sei bem o que é, mas sinto forte uma mudança frágil, que é mais que uma sensação.
O brasileiro tem mais de medieval, barroco e colônia do que poderia supor, ainda somos escravos, ainda somos feitores. Ainda discutimos nas ladeiras labirínticas e escuras o destino de uma nação que não é nação; não falamos apenas de liberdade, nem tão somente de nossos interesses.
O quanto de sangue e ouro temos em nossas mãos? O quanto fizemos de Deus nossa melhor desculpa para sermos hereges, loucos, exageradamente pecaminosos, exageradamente católicos, exageradamente santos mártires, exageradamente heróis e, de todo, exageradamente homens. Ninguém deveria ter a permissão para ser tão divino. Mas somos e somos brasileiros.
Vi em Minas, a seriedade profunda de nossa história – o nó da nossa ficção, as histórias – algo para deixar envergonhado Gerson e sua lei babaca, colocamos de lado nossa incapacidade de nos levarmos a sério e nossas mãos atadas por grilhões invisíveis fundidos em nossa ficção carnavalesca (quando nos tornamos eu-modernista esquecemos de nosso eu-barroco?).
Senti que a severidade das artes daquela terra-de-pedra-sabão deixa nossa ficção ingênua e monolítica em ruínas, no chão. E cravejada de flores e folhas de ouro, aquele barroco enraíza-se, circunscreve-se, como braços de polvo em erva daninhas. A poesia está lá e é severa, férrea, com o erótico exagero negro, que te devora e gospe na sua cara com escarro de ouro.
Vestimos as minas escravas. Ficamos prostrados, metidos no sangue oleoso que escorre das paredes, assim como ficamos de joelhos diante da Rosário e da Pilar, até mesmo, de Francisco, o humilde; digo isso pois, mesmo de pé, mesmo erguendo a cabeça, mesmo com todo o esforço, não soerguemos de nosso lugar, a rés do chão-de-barro. Amigo, soterrado pela escuridão, eu ouvi o clamor de quem chora, sangra, morre em lutas a picaretadas. Vestidos de mina, somos terríveis palavras hemorrágicas derramadas de nossa própria boca. Mandamos os condenados correr e trabalhar. Corremos e trabalhamos sobre nosso sangue e somos condenados sob nosso sangue, pois o poder também foi negro lá. Morremos negros e brancos nas minas do Chico Rei.
Vou terminar esse breve primeiro relato, desculpe o êxtase. Mas, o Sol gira em torno das Minas Gerais.
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