Inevitável

(imagem de Kimi H. Tumkus)


Clichê inevitável: Ser poeta é ser gauche. Ser educador é ser gauche. Somos anjos tortos, diabos escondidos na luz da lua, no embriagar do conhaque e das leituras. Desejando. Ávidos de Respostas. Por quê? Para quê? O quê? Como? E ouvimos, dissonante, o silêncio. “Meu Deus, por que me abandonaste / se sabias que eu não era Deus / se sabias que eu era fraco”. Somos tão solitários em nossas tarefas, atrás de nossos bigodes, palavras e giz. E se a gente não vivesse num mundo que faz da rima a solução?

Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode,

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.


(Carlos Drummond de Andrade, publicado em “Alguma poesia” (1930))

Nenhum comentário: