Tá Ligado?

Noite de sexta-feira, voltando da Faculdade, as pontas dos pés rígidas e doloridas pelo frio. As passadas largas e ligeiras não evitavam o vento cortante e áspero daqueles dias de junho (inútil associação climática, em se tratando de nossa cidade). "Ainda bem que é sexta-feira..." Aquela idéia inédita me vinha à cabeça, enquanto chegava à escadaria do Metrô. À minha frente três jovens que conversavam animadamente. O mais eufórico: "Mano, arrumei aquele esquema, tá ligado? Meu, num deu outra, ta ligado? A Gina vai armar o lance pro fim de semana, tá ligado? E o Cauê vai agita o som, ta ligado...?" Já não conseguia entender direito o resto da conversa, mas o "ta ligado?" soava de forma renitente.
Procurei me abstrair, pensando no descanso redentor. A semana tinha sido um inferno, com direito a muito trabalho e mau humor do chefe. Nada que quatro aulas de língua portuguesa não redimiam. Os morfemas, as desinências, os alomorfes. O diálogo dos meninos pontuava meus pensamentos: "...tá ligado" "...tá ligado". Será que a Lingüística também explica como uma expressão pode virar vírgula? E ponto final? Meus quinze anos já iam longe, mas, que eu me lembre, costumávamos ser mais originais. O Travolta, os Bee Gees e as Frenéticas arrasavam nas pistas, na época em que danceteria era discoteca. As calças tinham boca larga, como hoje, nesses jovens, mas não varriam o chão. Namorar não era fácil e a Playboy fazia a alegria da meninada. E as gírias, então? ‘putzgrillo", "cocota", "xará", "bicho", "falou e disse", "morou?" Bem... talvez não fôssemos tão originais assim. Enquanto isso, o garoto continuava o discurso... "ta ligado?" Tempos de Internet, onde todos devem estar ligados. Bem que o guri poderia variar de vez em quando com um: "ta conectado?"
A "viagem" acabara ao final da escada rolante. Em bom tempo, pois dizem que nostalgia é o primeiro sintoma da velhice. Lembrei-me que esqueci de contar os "ta ligado?" proferidos pelo garoto, mas deveriam ser pelo menos uns vinte. Já na plataforma, deparamos com o trem parado, escuro e já com muitos passageiros em seu interior. Nada melhor que aquilo para fechar bem a semana. O jovem, contrariado, esbravejava à sua trupe: "Pó, mano, num acredito..." Chegando-se a mim: "E aí tio... O que aconteceu?" E eu, numa espécie de desforra de Tio Sukita, respondi tranqüilamente: "Não ta ligado..."

[Luiz Hideo Saga, essa crônica é vencedora de concurso.]

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