Procurei me abstrair, pensando no descanso redentor. A semana tinha sido um inferno, com direito a muito trabalho e mau humor do chefe. Nada que quatro aulas de língua portuguesa não redimiam. Os morfemas, as desinências, os alomorfes. O diálogo dos meninos pontuava meus pensamentos: "...tá ligado" "...tá ligado". Será que a Lingüística também explica como uma expressão pode virar vírgula? E ponto final? Meus quinze anos já iam longe, mas, que eu me lembre, costumávamos ser mais originais. O Travolta, os Bee Gees e as Frenéticas arrasavam nas pistas, na época em que danceteria era discoteca. As calças tinham boca larga, como hoje, nesses jovens, mas não varriam o chão. Namorar não era fácil e a Playboy fazia a alegria da meninada. E as gírias, então? ‘putzgrillo", "cocota", "xará", "bicho", "falou e disse", "morou?" Bem... talvez não fôssemos tão originais assim. Enquanto isso, o garoto continuava o discurso... "ta ligado?" Tempos de Internet, onde todos devem estar ligados. Bem que o guri poderia variar de vez em quando com um: "ta conectado?"
A "viagem" acabara ao final da escada rolante. Em bom tempo, pois dizem que nostalgia é o primeiro sintoma da velhice. Lembrei-me que esqueci de contar os "ta ligado?" proferidos pelo garoto, mas deveriam ser pelo menos uns vinte. Já na plataforma, deparamos com o trem parado, escuro e já com muitos passageiros em seu interior. Nada melhor que aquilo para fechar bem a semana. O jovem, contrariado, esbravejava à sua trupe: "Pó, mano, num acredito..." Chegando-se a mim: "E aí tio... O que aconteceu?" E eu, numa espécie de desforra de Tio Sukita, respondi tranqüilamente: "Não ta ligado..."
[Luiz Hideo Saga, essa crônica é vencedora de concurso.]
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