
NOITE nessa rua. O verde escuro da fachada da Farmácia Silbers é forte. Toda iluminada, a vitrine de Ex-Lax - que não sei o que é - contrasta clara com o negrume todo. Andar nessa rua ao som de um blues é triste. Parar na esquina e tentar lembrar os versos e refrão do "You’re my thrill", "The Flame", "Tocando em Frente" é triste. Mas, então lembrei que tenho meu violão, deitado sobre minha perna, esperançoso que eu o toque de novo, eu vou, eu sei. Com ternura e compaixão devotos de um santo e mártir - que sei que não sou - mas que deixa tudo mais bonito.
Uma estrela brilha sobre a última janela nesse prédio verde escuro da Farmácia Silbers. Brilha estrela, mais alto e mais forte que a propaganda do ignorado Ex-Lax. Eu caminharei com você estrela vadia, eu serei todo seu essa noite, eu sou todo esperançoso, estrela vadia. Canta aquela canção muda pra mim, que você faz brilhar nos meus ouvidos surdos. Canta. Eu vou tocar com toda a compaixão, verdade e força, dos meus dedos e do meu coração. Dedos, coração, estrelas, eu e você, vadios na noite de negrume de violão santo e mártir, falso e bonito.
Um pouco aqui, mais um bocadinho, dedilhado pequenino. Caminhando nessa rua escura, ternura de noite de estrela no céu. É de contraste esperançoso sobre minha perna sozinha. Dedos estendidos sobre meus joelhos, procurando o som que não sai mais das cordas. Nessa esquina vadia de negrume, eu deito o braço do meu violão, é triste tocar um blues pra estrela no céu.
Noite nessa rua de negrume todo. Eu parei de caminhar, tocar. A estrela parou de cantar muda a música dos meus ouvidos surdos. Um silêncio sem contraste. Um negrume verdadeiro, sem santo e nem mártir. Uma tristeza só, sozinha. Uma nuvem pousou ordeira sobre minha vadia do céu. Uma pedra descolou as mil pecinhas da vitrine da Farmácia Silbers. E acho que esqueci as letras das suas músicas.
[Conrad Pichler, 15 de junho de 2006]
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