Memórias Fictícias de Minha Avó



Sentada na escada da casa velha, ela esperava o pai sair com o bornal, bule e uma sacola de feira estampada de xadrez marrom.
Caminhando num vermelho terrão, pisado sereno, o mato chorando folhas verdes, orvalhando o gramado, o forro das tendas altas dos generais e das cabaninhas dos praças.
O café bem tirado no bule, com melado. Do bornal os pãezinhos de queijo, broinhas de milho e a Bengala do Xará, manteigazinha e queijo fresco. O pai vai servindo, a menina recolhendo os centavos mineiros para o bolsos paulistanos.
Se soubessem, teriam virado a sacola do avesso, esparramando os farelos, expondo os ossos e as costuras do pano, dos músculos, dos tendões. O pai riria da piada, que disse a criança foi pirraça de menina ingênua, os soldados tardariam em acreditar, tomariam o bule, o bornal os pãezinhos e de sangue se contentariam com um nariz fraturado, um cuspe escarrado no chão batido, vermelho terrão; poupariam apenas a menina das necessidades extremas a serem saciadas.
Puxando a menina pela manga, saíram depressa pelo caminho de volta sem voltar a cabeça um instante, levando sol da manhã na cara e nada nos bolsos paulistanos.


[Conrad Pichler, 16/03/2008]

Um comentário:

Caio Mendes disse...

Interessante a associação do infeliz descuido fictício com a conseqüência real familiar.

Sua avó, seu bisavô. Depois a projeção nos seus soldados, seu café e pão de queijo, sua terra vermelha e folhas verdes.